Sou grata à vida, sou grata às sementes que fui deixando no caminho, e quando assim é alguma coisa te é devolvida.
Não estou feliz com o momento, e nunca esperei que houvesse um momento da minha vida, onde fosse necessário para mim, sentir ainda mais amor, porque ao longo de toda a minha vida eu fui sempre sentido. Fui sentido que tinha um íman, que as pessoas se sentiam bem na minha companhia, que as deixava felizes, quando me deixavam palhaçar ou gargalhar, mesmo em momentos menos bons. De quem veio a maior parte ficou e quem foi é porque a energia não era a mesma e não era para ficar. Mas sempre pude ser eu, zangar-me, rir, abraçar, amparar e ser sempre, sempre amparada, dizer as coisas sem filtros e mesmo assim haver aceitação.
A minha frase favorita nesta fase é Aceita que dói menos. Ainda em processo de aceitação da doença, eu aceito o vosso carinho, amor, mas principalmente aceito as vossas orações, eu tenho por experiência que quando desejamos o melhor para alguém, que tudo torna a nós, que quando pedimos pelo outro, para que ele consiga o que deseja, que as portas do céu se abrem para acolher os pedidos e que coisas maravilhosas acontecem. E neste momento eu abro os meus braços aos vossos pedidos, ao pedido que tudo seja leve, rápido e que nunca eu perca este amor à vida, esta felicidade e alegria dentro do meu coração.
Este é o meu muito obrigada pela onda de solidariedade que se criou à minha volta.
É pelo menos a minha certeza que o meu legado é de bom coração e que estou a fazer algo de bom. E isso deixa-me muito muito feliz!
Babe, estou possuida da vida, zangada e impossivel de aturar, e levas com TODOS os meus maus moods. Impossivel para ti entenderes o que é isto, este sentimento de nunca nada vai ser igual. O medo que percas a tesão, o desejo, que em vez de alegria te traga amargura, que fique rabujenta em vez de alegre. O medo!
- Kuruka, eu estou aqui para ti e isso não é nada!!!
-Sra Dra viu, como não é nada??? Era a mesma coisa que te tirassem um tomate!!!
- O que eu entendi, foi que nada disto vai abalar o que eu sinto! Estou errada? - Fez-se silêncio, enquanto o babe acenava com a cabeça.
Também foi dia de cirurgião plástico, com pouco mais de 30 anos a analisar qual o estrago que iria fazer... as lágrimas corriam enquanto se riscava a mama
- Posso fazer aqui uns riscos?
- Pode Dr., faça um smile! - E as lágrimas a cair em catadupa!
Ouvia há uns dias que havia um lado bom, em toda a minha vida eu vi muitas coisas a acontecerem de bom nas pessoas depois da doença. Também ouvi, que a doença apareceu na melhor fase da vida de alguém. Cada história! Para provar! Mas para provar o quê,
a quem?
Fortalecimento, querem que sejamos fortes. Dá-me vontade de dizer bardamerda para o fortalecimento, ficar forte para quê? Para morrer.
Somos guerreiros, somos fortes para a vencer, e somos o quê? Fracos quando a doença escala e morremos?
É para quê? Para darmos valor, para ver o lado bom da vida, para que sejamos gratos. Mais uma vez bardamerda para as palavras feitas, e quando o cancro vem e as pessoas nunca se sentiram tão felizes. Isto vem para purgar, porque teve origem nos teus pensamentos, e aqueles que sofrem uma vida inteira e que aceitam esta merda de doença como é só mais uma!
Se tens sorte e estás feliz e és grato a merda da doença vem, se tens uma vida de merda, não tens qualquer tipo de felicidade a merda da doença vem. Qual é o critério? Um dó li tá?
Não estou zangada contigo Deus, e até acho sinceramente que não tens culpa absolutamente nenhuma, porque as escolhas são nossas, mas qual é o critério? Bebés, jovens, desportistas, alimentação saudável, felizes, infelizes, doentes, velhos, gratos, injustos, bons maus.
É para aprender o quê?
Eu não escolhi isto! Eu tenho bons pensamentos, eu sou co criadora da minha vida, eu sou coach, eu sou terapeuta, eu faço voluntário, eu preocupo-me com o outro, eu quero que os outros sejam felizes, eu sou feliz e eu não escolhi isto! Se acho que sou melhor que alguém para passar ao lado disto, NÃO, porque eu acho que se o fim é um e isto é uma passagem, esta passagem deve ser leve e feliz, seja para mim, seja para outro ser qualquer. Nós escolhemos tudo na nossa vida, mas eu não escolhi isto!
Uma coisa é ter cancro, onde perdes o cabelo, onde de te tiram algo de dentro do teu corpo que não está bem, outra coisa é ter cancro na mama. Nenhuma mulher, tenha 20, 30, 40, 70, está preparada para lidar com esta mutilação, a mutilação da sua feminilidade, a mutilação da sua sensualidade, ou da sua sexualidade. Quando ele me conquistou, quando ele se apaixonou por mim eu não estava disforme do meu corpo. E nem ele nem eu estamos preparados para esta realidade, porque ninguém quer ver isto!
Que beleza pode haver nesta mutilação?
70% dos homens abandonam as suas companheiras quando há cancro de mama.
E acredito que grande parte destes abandonos não se devam somente a eles, porque muitos deles são verdadeiros super heróis, acredito que muitos destes abadonos se devam a nós, por vergonha, com medo da rejeição, com medo da repulsa, porque perdemos uma parte de nós, que se vê na intimidade e que ninguém quer ver, nem eu vou querer ver quando me olhar ao espelho.
O cabelo pode cair quando há um tratamento, mas cresce, até te podem fazer reconstrução, mas nunca fica normal, ficas com volume sem mamilo, ficas com uma irmã falsa da tua mama verdadeira e ninguém quer ver.
Tenhas que idade tiveres nunca mais será igual e ninguém vai ver!
Vais fazer as coisas parecerem normais, e até sorrires para ajudar a não lembrar, e ninguém vai ver.
Afinal Kuruka, não foi surpresa, a nuvem pairava desde Julho.
Mesmo quando te diziam:
- Isso é hormonal, ou uma pré menopausa. Até, isso é normal eu ouvi!!!
Dassssss, a gente ouve com cada coisa! Como se deitar sangue do mamilo fosse normal, normal para quem?
Não me sinto revoltada, até porque perante isto, as pessoas que sabem, acham que precisam ter algum tipo de resposta, ou dizer alguma coisa. Tipo, quando morre alguém, a pessoa sabe lá o que vai dizer... Mas para dizerem este tipo de coisa mais vale estarem caladas, apenas um abraço e estou aqui para o que for preciso, basta! De preferencia, não digam nada nem divinatório, nem médico porque senão forem da especialidade, não vão ter dados cientificos para partilhar com quem está doente.
Agora segue-se uma mastectomia total da mama direita e rezar muito para passar ao lado da quimioterapia.
E não, não quero que me perguntem - Estás bem? - Ou - O que é que tens? - Porque não estou bem e tenho cancro. Falem-me do tempo ou façam me rir com parvoices, tratem-me como normalmente me tratariam. E se não falavam comigo antes, também não o façam agora, vai soar a hipócrisia, e eu só tenho cancro não fiquei nem santa, nem burra!!!
Eu já estive desse lado, muitas mais vezes do que eu gostaria, e sei que nunca por nunca se deve roubar a esperança de ninguém. Sei que muitas vezes o que a pessoa precisa é purgar, deitar cá para fora o lixo, e muitas vezes é só isto que é necessário, alguém para ouvir, sem dizer nada, sem tentar encontrar respostas, ou dizer AQUELA frase especial. A maioria só precisa de alguém que as ouça! Alguém para lhes dar a mão! Sei que quem está do lado de fora tenta aconselhar ou dar bitaites, muitas das vezes só para não estar calada, e eu fiz isto vezes de mais. Agora deste lado, apesar de entender que quem o faz, não o faz por mal, fá-lo vezes demais! Nós damos bitaites da vida das pessoas, como se tivessemos esse direito gratuitamente, como se vivessemos as suas vidas e como se soubessemos mais dela do que elas próprias, e eu também fiz isso demasiadas vezes.
Agora com essa consciência eu digo que CHEGA! Ninguém vive a minha vida, ninguém sente a minha dor, ninguém sente o que eu sinto, ninguém vê o que eu vejo. E eu não vivo a vida de outras pessoas, eu não posso saber o que sentem, porque eu não sou elas, mas posso estar lá para ouvir e para dar a mão quando for preciso.
Milhares de coisas a tentar florescer, casa nova, trabalho novo, novas perspetivas, novas oportunidades e fica tudo em suspenso. 44 anos e com tantas oportunidades e tudo literalmente em suspenso. Penso amanhã o que vou fazer? O que posso almejar? O que vai vir? Nada, a agenda no dia a seguir não tem nada.
Tudo, parece que está tudo nitidamente sentado à espera que saia o diagnóstico oficial, para que tudo deixe de estar em stand by.
Penso, poderia fazer isto ou aquilo, mas parece que nem a vontade responde.
Estou à espera que tudo aconteça, que a informação apareça, para perceber com que agulhas me coso e que deixe de estar dependurada, com a vida em suspenso.
Muitos dias D se avizinham, hoje foi dia de massacre, os exames tão esperados chegaram, após horas infinitas de espera,o maridão bem disposto, algumas horas de fome e sede. Eis que é o momento da ressonância, de barriga para baixo uns auscultadores para abafar o barulho ensurcedor, parece que estava dentro de uma obra com batidas loucas, numa das mãos segurei uma borracha para o caso de não estar bem poder avisar quem se encontra no exterior.
25 minutos tão compridos!
- Dependendo do que se encontrar neste exame logo vemos o que se faz.
À boca pequena se falava no gabinete. Eis que a Sra Dra sai e diz que vou ter que fazer o resto, o resto, e tudo hoje! O resto, Biópsia, ecografia, mamografia. Nesta ultima eu juro arrancaram-me as ditas, minhas ricas maminhas! Deus eu achei que ela ia ficar com elas nas mãos! Mas não, não tinha terminado. Biópsia uma agulha gigante que te arranca bocados de carne de dentro da mama, achei que não ia conseguir. Picada umas sete vezes, deixei de contar.
- O que vale é que são umas medicas queridas, porque se fossem daquelas ranhosas ninguém aguentava isto.
Falamos dos filhos para aliviar o clima, para depois fazer a pergunta:
- Então Dra, depois de milhares de exames, diga-me, estou em ansias desde Julho estamos em Outubro, a minha mãe passou por isto, por favor!
- Está tudo numa fase muito inicial, ainda falta o resultado deste exame que estamos a fazer.