15 dias depois
Dei entrada no dia 31 de Dezembro, dia da festa, dia de listas, dia de cuecas novas, dia de fogo de artifício, de brilhos, de notas na mão e champanhe. Eu a enfermeira Paula à meia noite certinhas, a injectar o antibiótico nas minhas veias, foi o nosso brinde ao novo ano.
Até agora foram muitas horas de incerteza, dúvidas e medos, mas também de muita gargalhada, histórias partilhadas, de gente que entra e sai, dias de criatividade para mais facilmente passar o tempo.
O grande dia é amanhã, ou melhor a grande cirurgia é amanhã.
O meu corpo é anti coisas que não são minhas, já devia ter percebido...
Unhas postiças saltavam, DIU tentei 2 vezes, e o expansor foi posto a correr num instantinho, com muito sofrimento, com mesmo muito sofrimento, pensei que iria para casa assim, sem mama!
Tirei dúvidas:
- Porque é que me foi colocado expansor quando eu tinha tecido mamário completo?
- Porque estavam esgotadas as próteses mamárias e seria necessário uma autorização do hospital, sendo que foi uma decisão feita no bloco operatório e como correu melhor do que era expectável, recorremos à decisão provisória do expansor, foi feito o possível com os recursos do hospital.
- Quais são as possibilidades agora?
- O importante agora é combater a infeção. Depois há várias opções, ir para casa e ir para lista de espera para colocar a prótese.
- Pois mas eu não vou sair daqui assim.
Abanou a cabeça sem tirar os olhos de mim e li na testa dele, estamos fodidos!
2 dias depois veio a proposta.
- Kuruka, temos várias opções, a primeira é deslocar um músculo da barriga e com ele preencher a mama. Dizia isto com um ar sério e de sofrimento, que eu não sabia se seria o dele ou o meu, agora sei que era dos 2, uma cirurgia muito longa e um pós operatório lixado.
-Se tivesse que optar, sendo a sua mulher ou filha, qual seria a sua opção?
- Eu decidiria por esta opção, dificilmente irá rejeitar uma coisa que é sua, e caso haja uma infeção será muito mais fácil de controlar e combater porque é um tecido vivo.
Quarta-feira vou operá-la!
- OK Dr. fico mais descansada agora, porque não haver solução imediata estava a ser difícil de digerir.
Estou cagada! Tantas horas e se eu não acordo, mas sei que eles vão fazer o melhor, porque já o fizeram antes, apenas o meu corpo não quis aquilo. Perguntei-me tantas vezes porquê, tentei rir para não chorar, cuidei dos que aqui estavam no quarto comigo para me esquecer de mim. Uma noite não deu, chorei até de manhã, saiu tudo. Perguntei-me porque eu não assumia o que sentia, porque me preocupava em não preocupar os outros, porque é que eu não desabafava quando doía e só conseguia falar das dores quando já conseguia rir, perguntei-me o que estava a fazer de errado.
-Nada Kuruka, essa é a tua essência, essa és tu, não estás a fazer nada de errado. Tu estás a viver e a fazer o melhor com as ferramentas que tens ao dispor, não te culpes pelo trabalho, ou preocupação que causas nos outros, porque seria igual se fosse ao contrário. Isso chama-se amor e o que mais gostas é de rir, por isso continua a fazer o que fazes, aliviar o peso dos outros com a tua leveza em SER e em viver. Continua a fazer os outros felizes que é o que mais te faz feliz. EU estou contigo em todas as horas e VOU iluminar a tua cirurgia!
-Grata Deus do meu coração sem ti era mais difícil!
Kuruka!