Faz hoje 3 anos que o Outubro também se tornou rosa para mim. E muita coisa mudou. Já não caibo em espaços apertados, parei de querer resolver, ou melhorar a vida de todos. Percebi com dor que pessoas são pessoas, que ter raiva é bom quando passa, que nos zangamos porque é normal, que não levar nada comigo é ser leve. Que dividir a vida e as preocupações em gavetas que me organiza. Que não concordar em tudo são opiniões e que nada é mais valioso que o tempo e a liberdade. Que tudo o que faço e tudo o que dou é o meu melhor. E se não chegar para ti, não é culpa de ninguém, está tudo bem!
Tanto que ficou lá atrás, parece que foi noutra vida. E foi... Foi a Sofia que já não volta.
E não precisa voltar, porque cada dia é melhor. As flores, a chuva, o sol, o silêncio, o carinho nos animais, o arco iris, a música, as cores, os meus, o sorriso, o abraço, a comida, o conforto, a cama, os cheiros, a contemplação, a amizade de verdade, a verdade de verdade, a dança, as gargalhadas, a partilha, as histórias e o tempo. Tudo o que tem importância, tudo o que eu quero levar daqui. Tive sorte que o Outubro Rosa não me tivesse levado daqui sem que percebesse o real valor da vida. Tenho tanta sorte por perceber que a felicidade está cá dentro, a paz está cá dentro e quando temos as outras coisas elas apenas complementam o que já existe cá dentro. A vida é perfeita e sem filtros como esta rosa e eu sou grata à vida!
A culpa é Tua! Tu que vives nos nossos corações, que nos deixas acreditar que somos todos Deuses, perfeitos e que vivemos à Tua imagem, Tu que nos deixas fazer coisas, escolher, como se soubéssemos o que é o melhor para nós. Tu que nos fazes esquecer de onde vimos e para onde vamos, quando a merda que estivemos aqui a fazer acabar. Tu que criaste o mais belo e perfeito dos mundos e nos meteste aqui, para matar, usurpar, violar, queimar, ofender e esgotar todos os teus bens, Tu que nos colocaste aqui e que nos fizeste burros o suficiente, mas a pensar que somos a raça mais inteligente. Tu que apenas colocaste 10% da nossa massa encefálica a trabalhar, em alguns casos certamente menos de 0,9% e mesmo assim nos deste a missão de cuidar deste planeta. Tu que permites que ainda escolhamos ser os melhores, quando achamos ainda que branco, amarelo, castanho e laranja são cores superiores ou inferiores, tu que permites que se trate o outro seja ele pessoa, animal, planta, velho, novo, com desprezo sem valor pela vida dele. Tu que não lanças um ataque fulminante quando um escroque põe em causa a vida e a segurança de todos nós. Tu que não fazes com que temamos o teu castigo e fazes apenas que o castigo esteja na consciência de cada um, quando esses não têm consciência nenhuma, que se alimentam de egos infinitos e de espelhos cegos, que chegam ao poder das nações, estes seres desumanos desprezíveis. E nós ovelhas de um rebanho, cegas, surdas e mudas, que comemos o que nos dão, o lixo, as mentiras, o tóxico. Cada vez mais de pescoço para baixo, achando que uns brincos novos resolvem todo o nosso vazio e compra a nossa mágoa. Tu que não castigas o suficiente quando alguém infere a maldade gratuita, ou a maldade em troca de um valor mensurável, quando deixas que soluções à vista e nas mãos de todos não saiam de papeis e reuniões de pessoazinhas, Tu que não castigas quem fixa os olhos no chão e ache que um mundo à arder, uma guerra num país, uma violação de uma criança, uma ofensa a um determinado Ser, não é problema seu. Não castigas quando eu ou ele acha que somos diferentes. Não somos especiais coisa nenhuma e Tu não podes viver em cada um de nós e permitires que não haja uma consciência UNA com o bem e o mal, não podes viver dentro de nós quando nos deixas decidir sobre o que fazer com a nossa vida e com a vida dos outros sem que isso seja apenas para um bem comum. Tão “evoluídos” dizemos nós de nós mesmos, quando permitimos que egoicos cheguem ao poder e se achem senhores de um mundo que NÃO É APENAS DELES. A humanidade onde é que ela está? Quando o que move este mundo é o dinheiro e não a vontade. Quando a bondade nos faz melhor a nós do que a quem é ajudado, porque inevitavelmente nos coloca em superioridade, ninguém precisaria de ser ajudado, se a consciência de cada um nos fizesse entender que Todos temos os mesmos direitos e não temos nem de perto nem de longe as mesmas oportunidades, porque apenas a consciência não existe. E a morte apenas nos salva, não é castigo, é liberdade, castigo que é bom não há, porque não há a consciência que quem faz o mal o está efetivamente a fazer, porque para ele apenas é o colmatar de uma necessidade pessoal, individual e egoísta. A culpa é Tua, apenas Tua porque nos deixas escolher livremente. Tu não andas com os nossos pés, não pensas com a nossa cabeça e não sentes com o nosso coração, porque Tu criaste o mais lindo dos planetas e a sustentabilidade mais perfeita, o sol, a lua e as estrelas que nos fazem olhar para cima e pensar o que há mais além, como se que o temos aos nossos pés todos os dias simplesmente não fosse suficiente, porque para nós nada é suficiente. Por favor a Ti te peço, não nos deixes chegar a mais nenhum lado deste universo, porque conseguimos estragar o planeta mais perfeito do universo. Nunca mais nos deixes chegar a mais lado nenhum… Porque não merecemos. Merecemos o castigo de viver com o que deixámos, sem nos importar e sem sair do sofá, acontecer. Talvez esse seja o castigo que tenhas em mente, porque afinal Tu deixaste-nos escolher!
Já não tenho penso, saí no dia 2 de fevereiro e andei com um penso de vácuo todo este tempo, à espera que a pele cicatriza-se por si, a rezar para não ser enxertada, não queria mais cortes num corpo mutilado, demorou, muitas noites em branco, quando a máquina resolvia apitar porque tinha fugas, penso por cima de pensos, para calar a máquina até à proxima semana, até ao próximo dia de mudar o penso.
Não fui novamente operada, não ficou bonito, mas ficou como ficou, engelhada, com pêlos e parece que foi roída por um rato. Pensei que não ia conseguir olhar, pensei que nada voltava a ser como era antes, a relação que tinha comigo e com o meu corpo, mas nada mudou! Mas foi preciso tempo para me habituar à ideia que ia ficar assim, foi preciso eu sentir muito amor em casa para saber que nada tinha mudado. Esta caminhada não foi só minha, foi e é a nossa caminhada e obrigada por estares aqui do meu lado meu companheiro da vida.
Muito tempo passou, desde a ultima vez que tomei banho normalmente, andei todo o tempo a tomar banho por partes, tomar banho à gato.
Muito tempo passou desde a ultima vez que pude sentir a água quente do duche a bater me no rosto, a escorrer pelo meu corpo, muito tempo passou!
Mas só sabemos o que perdemos quando não já não o podemos ter ou fazer. Hoje inclinei a cabeça para trás e deixei a água cair e levar com ela toda uma tormenta de incertezas e inseguranças, todas as dúvidas, de como eu poderia voltar a gostar de mim, assim! Como não podia, esta sou eu, não como eu era, mas eu e seria impossivel não gostar de mim. Longe estão os medos de que até tu me pudesses amar assim. Mas aqui estão as certezas que eu sou mais do que pedaços de carne cortadas. Amas-me e desejas-me como antes. Rio-me como antes, consigo não com mais força que antes, mas com mais vontade. Sinto mais que antes e preocupo-me menos que antes.
Muita coisa mudou, mas o prazer da água a cair em cima do corpo, esse nunca muda.
Não sabia porque é que as pessoas entravam em depressão, porque é que se sentiam vazias, porque é que não tinham vontade em viver, ou força em dar a volta por cima. Não percebia porque é que não queriam ser felizes, porque é que não eram felizes. Não percebia porque é que se medicavam para viver.
Há outras formas de combater isso, há outras formas de superar, sem recorrer à medicação. Certamente que há outras formas... Mas estou há demasiados dias sem dormir, estou há demasiados dias sem vontade de rir, estou há demasiados dias sem saber como me sentir leve novamente.
Há outras formas, mas não há sensação pior de querer tirar esta tristeza do meu peito e ela não ir embora, querer gostar de mim e não conseguir, querer rir de coisas parvas, fazer coisas parvas e não ter vontade. Sozinha não consigo. Tenho medo de não conseguir voltar a ser eu naturalmente, mas é só uma fase e uma fase em que é preciso pedir ajuda, porque eu não consigo sozinha.
Até parecia efeito placebo, no dia em que tomei aquela cápsula rosa, eu ri, eu disse piadas, eu tive um deslumbre de mim. Um deslumbre de mim.
Eu estou a voltar... devagarinho, mas eu estou a voltar!
Driblaste a morte vezes sem conta, eu dizia sempre não vai, não vai porque o amor fala mais alto, e que amor este. Hoje foste embora, mas deixas muita riqueza, mostraste sempre de que garra eras feita, 10 filhos e se as contas não me falham 33 netos e bisnetos. Deixaste um amor maior que todos os amores, uma sabedoria e aceitação que nunca vou conhecer, os tempos são outros. Vou trazer muitas coisas tuas aqui dentro, as cartas no aniversário, quando ralhavas para não engordar os porcos, a paciência que tinhas para nos aturar nas férias, o arroz de galinha. E o sorriso. Mesmo quando a memória falhava tu sabias quem eu era a maior parte das vezes. Trago comigo a maior aprendizagem de todas o amor, que partilhaste com o meu avô sempre juntos, unidos e sempre um a viver para e pelo outro. Obrigada avó por teres sido também minha.
Driblaste a morte vezes sem conta, eu dizia sempre não vai, não vai porque o amor fala mais alto, e que amor este. Hoje foste embora, mas deixas muita riqueza, mostraste sempre de que garra eras feita, 10 filhos e se as contas não me falham 33 netos e bisnetos. Deixaste um amor maior que todos os amores, uma sabedoria e aceitação que nunca vou conhecer, os tempos são outros. Vou trazer muitas coisas tuas aqui dentro, as cartas no aniversário, quando ralhavas para não engordar os porcos, a paciência que tinhas para nos aturar nas férias, o arroz de galinha. E o sorriso. Mesmo quando a memória falhava tu sabias quem eu era a maior parte das vezes. Trago comigo a maior aprendizagem de todas o amor, que partilhaste com o meu avô sempre juntos, unidos e sempre um a viver para e pelo outro. Obrigada avó por teres sido também minha. Até já
Ontem olhaste para mim e com o teu miar baixinho, me perguntas não vais "sofázar"? Ontem eu olhei para ti e respondi-te queres que vá para o sofá, não é?
Não fui... E hoje tu já não estavas.
Tu foste para lá, onde um dia te vou reencontrar.
Chegaste num dia de temporal, com o pêlo encharcado e suja de óleo, o teu corpo era ossinhos e os teus olhos eram mel, miavas e mal se ouvia, como se não quisesses incomodar, enroscavas-te nas minhas pernas e quando me baixava deitavas-te como um cão de barriga para cima, adorava festas na barriga. Foste tão meiga e trouxeste tanto amor, pegava-te e o meu coração ficava cheio do teu amor. Deitavas-te comigo no sofá, enroscada nas minhas pernas, nem te mexias para que eu nem notasse que ali estavas. E deste tanto na tua gratidão de saires da rua, de teres um prato de comida e uma cesta para dormir, não te roubamos a liberdade, mas era nossa a nossa, até um carro te roubar de nós. Hoje a manhã começou triste, pobre e numa mistura estupida de perguntas.
Fazes me falta e ainda agora te foste embora!
Não te queria perder, não desta forma, não já, porque foi tanto o amor e durou tão pouco tempo. Tivemos tão pouco tempo.
Minha Noah, ficarás aqui no quente do meu coração eternamente. Obrigada por todo o teu amor, pelas lambidelas e por me procurares para ir para o sofá. Foste o meu mel.
Saudades da leveza, da facilidade em mexer-me, em pensar, em comunicar.
Saudades da alegria, do sorriso fácil.
Saudades do, que delicia, soube-me mesmo bem, estou mesmo satisfeita.
Saudades da satisfação em sentir o calor do sol na pele, ou o arrepio de frio com o vento que me apanhou.
Saudades das ideias, da criatividade, da vontade em criar.
Saudades do fazer, do por as mãos ao trabalho, de fazer acontecer
Saudades das pernas leves, da força no peito, de respirar fundo.
Saudades dos abraços apertados e do amor que nos une a carne.
Saudades do pensamento rápido, das escolhas ou simplesmente poder escolher.
Saudades de não ter limites, poder ser, ter e fazer o que me dá na real gana.
Saudades em estar no silêncio, na quietude porque é uma escolha
Saudades da confusão sem medo que me toquem
Saudades de correr, saltar, de caminhar direita
Saudades de me espreguiçar, de alongar todos os meus músculos sem medo de rasgar a pele,
Saudades de dormir de barriga para baixo, ou de lado sem medo de me tocar.
Saudades das gargalhadas das minhas e das que eu provoco nos devaneios de boa disposição.
Saudades de me deitar ao teu lado sem pensar no sítio que não podes mexer, ou tocar.
Saudades da minha pele, do meu corpo, da minha força, da minha energia.
Eu sei que ainda aí estás, apenas estás a adaptar-te a esta fase, eu sei que vais voltar, também sei que há coisas que não voltam, mas quem és ainda aí está!
Não há homenagem, prémio, louvor ou palavras que eu possa escrever ou dar, que mostrem o tamanho da gratidão que sinto.
Não foi demonstrado todas as horas, até porque à mistura houveram outros sentimentos, a revolta e a exaustão. Mas foi sentida, é sentida em cada palavra de conforto, em cada partilha de cuidado ou preocupação.
A minha profunda gratidão vai para aquela equipa de enfermeiros e auxiliares que cuidaram de mim e amenizaram ou tentaram amenizar o meu desconforto a cada hora dos meus muitos dias. Vai para eles o meu mais profundo obrigada, eles que têm um amor autentico pela profissão que escolheram abraçar, trago o nome e o carinho de cada um de vós dentro do meu peito, e nunca me vou esquecer das partes boas, das gargalhadas, private jokes e dos momentos muito maus que viraram anedota, o resto eu não quero lembrar!
E quero agradecer à onda gigante de amigos e família que estiveram sempre comigo no pensamento, aos meus pais que foram todos os dias apesar das suas dificuldades me ver, levar o lanche e sentarem se ali mesmo que não dissessem nada, ao maridão e ao filhão que assumiram com uma brutal leveza o comando do barco, à família, tias, primas pelos mimos e por não me deixarem faltar nada, aos amigos que são a família que escolhemos, por estarem sempre aí, por respeitarem as minhas longas horas ou dias de silêncio, compreendendo muitas vezes, eu sei que não foi fácil, eu não querer nem ver, nem falar com ninguém. Apenas aconteceu para que não tivessem essa memória de uma Kuruka que não sou Eu. Obrigada por me aceitarem nos meus dias menos bons principalmente quando a exaustão me levava à revolta, e mandava tiros para todos os lados. Sempre disse que sou uma sortuda, por ter pessoas maravilhosas à minha volta, pessoas que me querem bem, pessoas que me querem de volta. Esta está a ser, sem dúvida a pior fase da minha vida e assim como nas melhores, vocês estão lá. Mesmo que não seja com a carne, é com o coração e isso eu nunca em dia algum ou em hora alguma eu deixei de sentir.
Não peço desculpa por não ter atendido todas as chamadas, ou não ter acolhido positivamente a todos os pedidos de visita, ou aos 2 dedos de conversa, eu não quis falar repetidamente o que eu tinha, eu quis falar de outras coisas que me levassem para fora de mim, para fora da minha débil experiência. Cansei-me de repetidamente dizer que não estava bem e que as coisas não estavam a correr bem e as pessoas não perceberem isso. Mas também percebo que é muito desafiante para alguém, ver uma pessoa na merda quando a principal imagem que retêm dessa pessoa é a positividade e a alegria. Por isso acredito que tenha sido também um desafio para muitos de vocês.
Eu tentei sempre fazer o meu melhor, mesmo nos dias em que isso não era possível, por isso não há pedidos de desculpa a fazer, apenas há o sentido de gratidão por vos ter, por serem parte de mim, e fazerem parte da minha vida.
O meu enfermeiro preferido, disse :- A sua filha foi muito corajosa!
E eu sinto mesmo que fui, e que sou muito corajosa! Mas esta coragem veio à tona por vos ter a todos a darem-me a mão!